05 março 2009

A quinta feira de cinzas




















De Colombina
[cansados ventos!
já desfilei incontáveis noites.
Atrevi-me ao dia.

Chega Arlequim
vai-te sem demora.
Não me retorne em outra máscara
te seria bem mais como Faustine.

Chega Arlequim
sou eu quem te conhece em dobro.
Percebes no cabide
o que descansa?



É Colombina
[já passada a tarde triste
brilhante, cândida...

Diz, vez em quando
(nos intervalos dos suspiros):

“A sinceridade não me é uma obrigação para com o outro, ora pois, se não é o direito constante de ser eu mesma!”
Ri satisfeita e retoma
(que olhos que brilham!)
a hiberna adquirida.

Não me venha Arlequim
com tuas mãos de lobo
não estou a dizer que não me causam mais arrepios
que me causam dor no entanto.

Abandona esta carícia
aquela que dá a mim e as outras
e tuas palavras inebriantes
me chegam quase de plástico.


Então que venha o outro
sem máscaras e fantasia
Faces múltiplas talvez
(o que seriam senão expressões de si mesmo?)
Faces sim
[conexão dentro fora.

Interesso-me pelas faces
[aquelas que se sobrepõem em intervalos irregulares
Diria que a leveza é um atributo
destes de faces diversas.

Até posso confessar o meu apreço pelas máscaras...
mas
sabe
sinto falta das faces....

As máscaras têm sido fabricadas alimentadas pelo medo
[limitada matéria de construção.
Falece
em meu tempo
as máscaras filhas do sorriso
netas do entusiasmo.


Vai-te Arlequim
vai-te em boa hora
deixa-me desfazer a maquiagem
(já não me é útil!)
O outro me verá em faces nuas
[todas elas.

Esquece-me também Pierrot
deixa a mim vir o outro!
Sim, prometo que de ti lembrarei.
Deixa disso...

Desiste Pierrot
não vou vesti-me de Vênus.

.
.
.
Animo-me ainda com as alegorias
[num súbito instante.
Aquela que hoje me compõe
em sutileza tamanha
penetra por entre máscaras e tamborins.

O som
já é outro que me possui.
Graves e agudos
jorrados ao vento.

Aos carnavais
já lhes dedico silêncio sóbrio.
Algazarras e boêmias
quarta feira em cinzas.

Aquieta-te Pierrot
o outro saber-te-á
Acaso não pertence a mim o cabide de Colombina?!

Não lagrimes mais Pierrot
teus choros não me aprisionam como outrora
Te disse?
aprendi a chorar.

Larga Pierrot
a barra de minha saia
liberta a ti e a mim
dos incômodos pesares.





Eis-me aqui
a desfazer-me deste círculo
não quero nem saudades!

+
+


Arlequim, Pierrot
é tempo!

Vão, vão...
já ouço ruídos
passos do outro a caminho.

Dêem-me tempo
para colher as flores
[odores e enfeites.


E acolha-me o outro.

Descanse-me o outro.

E dorme
pobre Colombina
não te pertence este encontro.

Quanto ao outro,
aquele que chega pela porta da frente,
uma prévia orientação:
Acautela-te do que te espera
[não te assuste a minha nudez da face
Não te exaspere os suspiros de Colombina
adormecida ao cabide
Pode ser que em minhas ausências
de lá
(do armário)
ouças
[aquela que a(u)lto pensa:

“Inferno é ser a parte do Todo
Paraíso é ser o Todo na parte
Partes são momentos do ser Todo
Todo são os momentos da parte.”

E não te esqueças de
à noite entre meus cachos
acomodar os dedos
[me faz dormir...

O que estás a espiar Arlequim?!
deixa-me preparar a sala para o outro.

Não te foi ainda Pierrot?!
enxuga as manchas do meu tapete
insistes em pelo outro ser conhecido!


!
Deixem-me
em minha espera
As vestimentas
ao aroma de ervas frescas
preparadas estão sobre a cama.

E minhas faces
ousando de suas multilateralidades
compõem a própria melodia
aquela que liberta.


Suzane Vasconcelos
Novembro/2005

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