07 março 2008

À amiga ouvinte III



Que cor representaria o cenário atual, ao certo não saberia te dizer.

Não saberia, amiga, pincelar as formas, entoar a melodia, desfiar os versos
nem tão pouco te definiria com precisão o meu personagem...

Cá estou a lamentar as palavras ditas a pequena menina feroz, mordida, machucada...

Cá estou a tentar calar o pulso

................. a tentar emudecer as palavras dançantes dos dedos
................................... a tentar , sempre a tentar...


(* * *)


Não te disse, minha querida, que de mim meu amor ocultava uma rosa?

Não te fiz saber do desalento de minh'alma?

Eis agora o perfume, narvalhado na carne fria e orvalhada...
Ei-lo nas fendas das narinas
.............................. em odores imberbes de hálitos de virgens.

Não te sobressaltes do banco, atenta amiga
pois te digo
O ocaso se fez no alicerce do amor dedicado
............... daquele sorriso do primeiro alvor da manhã
.................... daquele mesmo lançado ao anunciar-te a vereda da nova vida.

A água nos era dividida em proporções desmedidas
a rosa, à sombra, cresceu em pétalas negras
............................ uma fresta de sol, em seu dia, era-lhe portal de grande euforia.
da luz adquirida, sorvia o doce, rebustecia a seiva e dormia dias e dias...

Aos meus lírios eram dedicados outros caprichos
o melhor jarro, a luz do dia, os melhores esboços...
Era o rapaz até cauteloso, podava as folhas
................ ansiava a vinda da flor primogênita,
..................... dava-lhe em sorrisos nome de canção querida.

No entanto,
a fragrância das pétalas negras, residentes do recôndito jardim,
conduzida pelo jardineiro soberano
vagou pela casa, deu leves passos no corredor, olhou as fotografias, deslizou nas paredes
até pousar lívida no sófá,
........ derramando as entranha rubras no tecido entrecortado
.................................. furta cor ...............................................

Da fragrancia e da cor da rosa, se via o lírio refletido
a grande dor das intimidades reveladas
desnudou-me o rapaz à negra rosa
falou-lhe dos meus risos e discos,
condenou os meus vícios
mapeou meu espaço
mostrou-lhe meus passos
desenterrou-me a raiz resistente

E a natureza dos lírios
.................. "de germe divino impresso em caracteres eternos",
aceitou por fim, que o amor querido,

...................... com húmos jazido,
acreditou enlevar o meu jardim.

Ainda que os lírios de folhas murchas e opacadas
Acolheu a rosa, juntou-lhe o negrume de pétalas, deu-lhe água, levou-na a luz, caçou palavras bonitas, dedicou-lhe versos, terra do vaso...

E num vago espaço de descuido
lançou-se a rosa negra a acrobacias desmedidas
...................................... levando, em seu fugidio percurso,
............................................. rasgando em seus acúlios espinhos,
.................................................................... a brancura do lírio.

Viu-se então a rosa do ébano cair ao chão
............................... solitária e resoluta
..................................... a derramar ditosa o rubro do lírio.

(* * *)

Ah, confidente amiga, se "edifico espinheiro em forma de vida"
acaso me haveria a poesia?
Se dentro quanto fora há de haver dicotomia
acaso na bela a fera não viria?!


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